Era "intransigente", "espantosa", "de integridade inabalável", "o farol de uma cultura"- Abbey Lincoln é uma das figuras maiores na história do jazz, tendo atravessado diferentes épocas e estéticas do jazz. Dos tempos da infância, no Michigan rural, Anna Marie Wooldridge guardou o gosto do piano, que praticava em casa, num velho instrumento que a família mantinha. O final do liceu levou-a à Califórnia onde se começou a apresentar ao vivo, sempre com diferentes nomes: como Anna Marie, no início da década de 50, cantou em clubes da Califórnia e do Havai, como Gaby Lee a partir de 54 recriou uma figura próxima da de Josephine Baker no clube Moulin Rouge, também na Califória. Dois anos mais tarde fazia a sua entrada no cinema, no filme The Girl Can't Help It, protagonizado por Jayne Mansfield (ver vídeo abaixo).

A primeira mudança na vida de Abbey Lincoln- nome sugerido pelo então manager Bob Russell- surge nessa mesma altura: o segundo disco, That's Him (1957), tinha como parceiros Max Roach e Sonny Rollins. A partir daí, Abbey Lincoln deixou a imagem sedutora que havia cultivado ao vivo e abraçou as causas sociais e políticas. Abbey is Blue (1959), We Insist! Max Roach's Freedom Now Suite (1960)- ver vídeo- e a participação nos filmes Nothing but a Man (1964) e For Love of Ivy (1968), com Sidney Poitier (ver vídeo abaixo), são manifestações da sua renovada consciência política.

Nas últimas décadas, desde o fim do seu casamento com Max Roach, em 1970, retirou-se dos palcos e dedicou-se ao ensino e à composição, tendo criado um corpo de canções celebradas por outros músicos. Entre 1980 e 2007, Abbey Lincoln gravou nove discos, com contribuições de músicos como Stan Getz e Bobby Hutcherson, e participou em Mo Better Blues, de Spike Lee, recuperando o reconhecimento público. Tinha em Billie Holiday a sua referência maior, era crítica das transformações de Michael Jackson e é vista hoje como um exemplo espiritual, uma "portadora de uma memória cultural", nas palavras de Cassandra Wilson.

A fotógrafa norte-americana Carol Friedman tem vindo a filmar um documentário, The Music is the Magic, dedicado a Abbey Lincoln, que se debate com problemas financeiros mas que a autora espera ter concluído no final deste ano.